sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Leitura obrigatória para nossa ansiedade de informação:












O Prazer de Ler: Sobre Leitura e Burrice

Ler pode ser uma fonte de inteligência. Freqüentemente é uma fonte de emburrecimento. Muitas, pessoas, inteligentes por nascimento, ficaram burras por excesso de leitura. Essa afirmação contraria aquilo que os professores dizem e fazem. Eles acreditam que livros, quanto mais, melhor. E a partir desse princípio, emprestado por analogia da antiga etiqueta culinária mineira, obrigam os seus alunos a ler lista infindáveis de livros - provas da seriedade de seu saber e do rigor de seus cursos: Na antiga culinária mineira era assim: vinha a dona da casa e enchia o prato da gente - e a gente comia com prazer. Aí, quando o prato estava raspado e limpo, a gente feliz com a barriga cheia, vinha ela com outra concha cheia e, sem pedir licença, reenchia o prato vazio que a gente era obrigado a comer. Essa prática se baseava em duas pressuposições. A primeira dizia que os estômagos são muito maiores do que parecem. A Segunda dizia que as pessoas sempre querem comer mais, e não o fazem por acanhamento. "Livros, quanto mais, melhor" é tão verdadeiro quanto "comida, quanto mais, melhor". Nietzsche disse que leva muito tempo para a gente ter coragem de dizer o que sabe. Faz muito tempo que sei que o excesso de leitura faz mal para a inteligência, mas nunca me atrevi a dizê-lo. Tinha medo de ser condenado à fogueira. A coragem me veio quando descobri um aliado: um livrinho muito pequeno - pode ser lido em meia hora -, Sobre livros e leitura. Autor: Arthur Schopenhauer. Como ninguém se atreverá a acusar o filósofo inimigo da leitura e do pensamento, transcrevo o que ele escreveu: "Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos o seu processo mental. Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios". Em outras palavras: ler é um exercício de alienação. Alienação é a palavra que os ativistas políticos de eras passadas cobriram de excrementos. Nome feio e malcheiroso. Foi identificada com um estado no qual a pessoa não tem consciência do que está acontecendo no mundo em que vive, o oposto da tão louvada "consciência crítica", expressão obrigatória em todo o documento sobre educação. A palavra vem do latim, alius, "outro". O alienado é uma pessoa que está fora de si, caminha num mundo que não é o seu; é de outro. Para ler é preciso fazer "parar meu mundo". Se o mundo que me é próprio não for "desligado", não poderei entrar no mundo que se encontra no livro. Abro o livro. Desligo meu mundo. Começo a leitura. Entro num mundo que não é meu; é de outro. A alienação é uma das fontes do prazer da leitura. Por meio dela sou capaz, ainda que por um curto espaço de tempo, de sair de minha realidade e viver a realidade do outro. Ainda ontem, relendo a parte final do livro Zorba, comecei a chorar. O feitiço da leitura faz com que eu me esqueça de meu mundo e me transporte para o lado de Zorba. Esse exercício voluntário de alienação é parte da boa saúde mental, e quem não consegue fazê-lo é porque está meio enlouquecido. Mas aquilo que é remédio, no varejo, vira veneno, no atacado. Schopenhauer continua: " Daí se segue que aquele que lê muito e quase o dia inteiro, e que nos intervalos se entretém com passatempos triviais, perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria. Porque quanto mais lemos menos rastro deixa no espírito o que lemos: é como um quadro negro, no qual muitas coisas foram escritas, uma sobre as outras. Assim, não se chega à ruminação: é só com ela que nos apropriamos do que lemos, da mesma forma como a comida não nos nutre pelo comer mas pela digestão". Ele continua: "É por isso que, no que se refere as nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante". Por vezes, ao ver as listas de livros indigestos e sem sabor que os professores obrigam seus alunos a ler, tenho visões infernais de um buffet imenso, centenas de pratos - que os alunos são obrigados a comer (digerir e assimilar é outra coisa. Via de regra a refeição acadêmica termina em vômito ou diarréia. O engolido é esquecido). "Esse é o caso de muitos eruditos: leram até ficarem estúpidos. Porque a leitura continua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo, já que neste ainda é possível estar absorto nos próprios pensamentos". Nietzsche pensava o mesmo. Eis o que ele disse no Ecce Homo: "Os eruditos, que hoje nada mais fazem que dedar livros (ir virando as páginas com o dedo), acabam por perder inteiramente a capacidade de pensar por eles mesmos.
Enquanto vão lendo não pensam. Os eruditos gastam todas as suas energias dizendo Sim e Não na crítica daquilo que outros pensaram - eles mesmos não tem mais a capacidade de pensar. Vi com meus próprios olhos: pessoas bem-dotadas e com liberdade de espírito que, aos trinta anos, já haviam lido a ponto de se arruinar..." É um equívoco imaginar que a quantidade de livros lidos desenvolve a capacidade de pensar. Comida ingerida em grande quantidade prova perturbações digestivas ou obesidade. Eruditos, com freqüência, são obesos de espírito. Livros lidos em grande quantidade provocam perturbações no pensamento. Borges, numa conferência sobre "O livro", cita Sêneca, quem censura o dono de uma biblioteca de cem livros. "Quem", ele pergunta, "é capaz de ler cem livros?" Nietzsche, no mesmo espírito, diz que ele se contentava em ler poucos livros. E acrescenta: "Uma sala de leitura (salas enormes, nas bibliotecas, onde se vai ler) me deixa doente". Pelo que conheço das práticas escolares, esse é o resultado das leituras, nas escolas. Os alunos aprendem que as coisas importantes estão escritas em livros, e com isso eles são desencorajados de pensar seus próprios pensamentos. Pesquisar é fazer resumos dos artigos da Barsa. Num trabalho acadêmico, tudo o que o aluno diz tem de ser confirmado por aquilo que outro disse num livro - um nome e uma data entre parênteses. Os alunos terminam por pensar que a educação é parar de pensar seus próprios pensamentos e pensar os pensamentos de outros - pelos quais eles não têm o menor interesse. Valendo-me das metáforas culinárias, atrevo-me a dizer, com freqüência, as chamadas avaliações escolares (as provinhas) são ocasiões pós-refeição em que provocam vômitos intelectuais nos alunos, para verificar se o vomitado é idêntico ao que foi engolido. Eu me alimento de alguns livros diariamente: eles podem ser maravilhosos. Mas é preciso que sejam comidos com prazer para fazer bem à inteligência. E note que "prazer" não quer dizer "facilidade". Existe um prazer imenso em escalar uma montanha...Livros comidos com prazer são livros a serem ruminados pelo resto da vida. Livros não-ruminados são livros esquecidos. Não entraram no sangue, não viraram carne. Mas ruminação é virtude que se deve aprender com as vacas. Rumina-se num tempo de vagabundagem, de paciência e pachorra, tempo quando não se pasta. Mas essas são virtudes que os educadores não conseguiram incluir em suas pedagogias e psicologias.

Texto extraído do livro "Entre a Ciência e a Sapiência: O Dilema da Educação", de
Rubem Alves, Ed. Loyola.

O fim é lindo


Fabrício Carpinejar


Minha casa é estranhamente regulada. Quando uma lâmpada queima, as outras vão junto. É um boicote que aumenta em minutos para testar a paciência. O gás da cozinha falta bem no momento da janta, e logo de madrugada, com o objetivo de me constranger ao telefone com uma lista infindável de entregadores. Se o computador estraga, o chuveiro também e o microondas sofre problemas de circuito. Confio que os aparelhos se imitam e conversam entre si. Devem reivindicar melhores condições de trabalho e uso, cobrar insalubridade, ou estão cansados das extensões e da sobrecarga indevidas. O certo é que minha casa é grevista. Insurgente. Nunca acontece de algo quebrar isoladamente.

Cheguei a minha residência depois de uma série de viagens. E mal acendi a luz, puf, puf, puf. Meu dedo estalou em cada interruptor. Teve até choque. Foi patético, para não dizer desanimador. Corredores mexendo as sombras, as paredes escorrendo a cegueira.

Mas, um pouco antes de explodirem, as lâmpadas aumentaram sua fosforescência. Puxaram todo o resto de força para refulgirem a extinção. Estenderam seus aros como nunca antes, com a potência de um refletor.

O mesmo ocorreu com o gás de cozinha, a chama das bocas subiu com perigosa curiosidade. Poderia ouvir o fogo gemer. Ele escurecia as bordas das panelas com sua assinatura. Quase formava os dedos de uma mão.

Conclui que o fim é lindo.

Assim como as luzes da casa e do fogão, o amor perto do desastre não se economiza. Não mais se contém. É desesperadamente transparente.

Um casal diante do fim terá a grande noite de sua vida por não prever uma próxima. Sairá do esconderijo porque não se vê mais seguro. Mostrará do que é capaz. Queimará o que guardou, não fará mais nenhum jogo, esquecerá a sedução e os conselhos dos amigos. Mais intensidade do que intenção.

É o escândalo da verdade. Tímidos se transformam em terroristas, calmos ficam enervados, pacientes se portam como histéricos. Por um instante, não há medo de fazer as propostas mais desvairadas, confessar palavras reprimidas, estender os olhos como um lençol limpo.

O fim é lindo. Do crepúsculo, de uma vela, de uma chuva. O fim é esperançoso, exigente. Pancadas de beleza. O som e o sol pulam como um suicida ao avesso para dentro da vida.


quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Violetas


"Flores à mostra e música.
Prosa.
Doce e sal.
Dor e gozo.
Aconchego... só vestígios,
Consolo, preciso de recanto.
Ficar ou ir?
Cair.
Desatino ou piedade?
Coragem.
O corpo me abandona a cada dia.
E qual é o lugar do meu alívio?
Escolhas, pensamentos impróprios.
Caos, me tirem daqui!
Eu preciso ir agora.
Já é tarde e sinto frio,
Pra vocês é cedo e ainda faz calor.
Permitam que eu me retire.
Esgotei minhas reservas,
Não há mais nada que eu ou você possamos fazer.
Estou de partida,
Preciso que me beijem, que me aceitem, que me apertem!
Eu preciso me sentir pela última vez.
O toque das suas mãos, o calor do seu corpo, o som da sua voz.
Desfaleço."

terça-feira, 6 de outubro de 2009

A Clínica do Trágico




Luiz Felipe Pondé, filósofo, psicanalista, doutor em filosofia moderna, participou do café filosófico em Campinas. O vídeo com algumas de suas colocações é excelente! Ele contradiz os pilares da psicomotricidade, da psicologia cognitiva, enfim de qualquer utopia que nos prenda.

http://www.cpflcultura.com.br/video/integra-clinica-do-tragico

sábado, 3 de outubro de 2009

Peito vazio (Cartola)



"Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E de fato eu sinto
Em meu peito um vazio
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio.
Procuro afogar no álcool
A tua lembrança
Mas noto que é ridícula
A minha vingança
Vou seguir os conselhos
De amigos
E garanto que não beberei
Nunca mais
E com o tempo
Essa imensa saudade que sinto
Se esvai"

Quando ouço a música, encontro um espaço para a angústia e o vazio persistentes.